A importância do professor no desenvolvimento infantil e na formação do caráter da criança
A chegada do século XXI era o almejo da humanidade. Não sabíamos que chegaríamos a ele, mas ele chegou a nós. Os homens que viveram as décadas anteriores são os homens do nosso presente, e questionamos suas posições ante a educação, a saúde, a fé, a solidariedade e a família, sendo o papel desta última o grande questionamento na sociedade atual. Como tem sido a estruturação
familiar hoje em dia? Qual o papel da família na formação do indivíduo? Que educação de base as crianças deste século estão tendo na escola, onde muitas famílias acreditam estar a salvação ou o remédio para sanar a dor dessas crianças abandonadas pelo limite?
Hoje, o excesso de razão tem feito com que os pais não tenham a convicção da correção. Psicólogos desse novo século trazem em suas teorias o trauma da correção, afirmando que ela, em muitos casos, pode impedir o desenvolvimento da independência da criança, tornando-a insegura. Os pais passam a questionar sobre o momento certo para tal correção acontecer e se perdem no caleidoscópio de regras.
Quem transforma, hoje, as crianças em verdadeiros vencedores? Quem são os heróis e exemplos dessas crianças, que clamam por socorro? Quando essas crianças, na escola, batem em um colega ou cometem pequenas infrações, será que elas não estão gritando para serem vistas ou ouvidas e esperam que alguém diga: “Basta!”?
Infelizmente, chegamos a um momento em que deixamos a educação ser fanada por passeios em shoppings, no Google, no UOL e em tantos outros sites que substituem os pais, sites estes que têm sido o livro de ética entre as crianças e os adolescentes do mundo atual. E pergunto: o que os pais e educadores têm a dizer? O título do clássico do cinema americano Assim Caminha a Humanidade tem sido a desculpa mais comum entre muitos, porque, muitas vezes, eles mesmos desconhecem onde cometeram os primeiros erros.
Cometem-se os primeiros erros quando se canta e se acha engraçado crianças cantando melodias de fácil assimilação que denigrem a imagem do outro. Peca-se quando se permite que os meios de comunicação dialoguem mais com os filhos do que os próprios pais, pois, na maioria do tempo, estes estão simultaneamente presentes e ausentes. Será que o limite e a repreensão agora não evitarão a mala de um camburão no futuro? Estuda-se tanto para criar estratégias educativas relacionadas ao limite da criança, porém, no exato momento de colocá-las em prática, pais e educadores não conseguem. Será que, entre os pais e educadores — educadores porque, em muitos momentos, são também os responsáveis por esse limite —, não existe a teoria do espelho?
Seria possível ensinar uma criança a escovar os dentes apenas dizendo como se faz? Será que esses pais e educadores, inflados pelo excesso de informação sobre o assunto, seriam capazes de impor limites a essas crianças se muitos deles não os tiveram?
Houve décadas na nossa história que foram de suma importância: as décadas de 1960 e 1970 até meados dos anos 1980. Mas essas décadas foram responsáveis pelo dilaceramento da família. No auge das transformações sociais, quando a principal regra era quebrar as regras impostas pela ditadura militar, a família foi dilacerada.
Ganharam-se algumas coisas, mas se perderam os filhos. Os pais daquela época são os filhos e avós de hoje. Houve uma mudança de comportamento e uma inversão de respeito e valores. Tudo que era uma regra familiar, como pedir a bênção ou informar para onde se está indo aos pais, transformou-se em algo retrógrado. O não que era para ser dito ao autoritarismo da ditadura passou a ser dito aos pais. A mudança na moda, a aceitação dos excluídos, a nivelação social, os hippies, o topless, as drogas, tudo isso transformou a atitude e o comportamento dos filhos. Infelizmente não entenderam que a liberdade pela qual lutavam era a liberdade do respeito ao
outro. O não é tão importante na imposição do limite como o dar de mamar, que cria a defesa imunológica. O não de hoje com certeza fará um adulto forte no futuro.
Aprender a receber um não ensinará a criança que a vida nem sempre lhe dirá um sim, evitando frustrações. Aprender a receber um não é aprender a dizê-lo também. A criança que aprende a receber um não também o dirá às drogas, ao álcool, ao sexo prematuro — evitando tornar-se um adulto ninfomaníaco —; dirá não aos pequenos furtos, à desonestidade, à falta de respeito, à mentira. Dirá não a tudo que tentar substituir os pais.
O problema é que ser pai é muito mais do que apenas ser “bonzinho” com os filhos. Ser pai é ter uma função e responsabilidades sociais perante nossos próprios filhos e a sociedade também. Portanto, quando decido negar uma roupa a mais a um filho, mesmo podendo comprar e sofrendo por dizer-lhe “não”, porque ele já tem outras dez ou vinte, estou ensinando que existe um limite para ter. Estou, indiretamente, valorizando o ser [...]. Porque, para ter tudo na vida quando adulto, fatalmente ele terá que ser um indivíduo extremamente competitivo e provavelmente com muita “flexibilidade” ética. Caso contrário, como conseguir tudo? Como aceitar qualquer derrota, qualquer “não”, se nunca lhe fizeram crer que isso é até normal? (ZAGURY, Tania. Os Direitos dos Pais: Construindo Cidadãos em Tempos de Crise. p. 31–32).
São sempre necessários os momentos quase únicos durante a semana ou os finais de semana, como comer sempre à mesa, falar do dia de trabalho, dos amigos da escola dos seus filhos. As relações interpessoais são de fundamental importância. Os pais têm de lembrar que ordem dada é ordem jamais tirada, independentemente de quem a tenha dado. Há crianças que são criadas por tios, babás e avós, e a presença dos pais é motivo para os conflitos familiares,
com eles sempre lembrando: “O filho é meu, é a mim que
ele tem de obedecer”.
O que chamamos de falta de limite nada mais é do que uma forma de dizer “Olhem pra mim, estou aqui, me socorram”. As crianças pedem socorro, os adolescentes clamam. As crianças não precisam de manual para ser compreendidas, precisam de pais compromissados. Os pais precisam saber que há uma enorme diferença entre criar e educar. Crianças educadas são fortes emocional e fisicamente, crianças criadas são apenas fortes fisicamente e gastam essa energia de forma errônea.
A criança do poema de Vinicius de Moraes, que chupa gilete, bebe xampu, toca fogo no quarteirão, é um bom exemplo de uma criança sem limite. Não necessariamente precisamos tê-la para saber disso. Contudo, é preciso educá-la. Então, procuramos várias razões para explicar e conceituar determinadas atitudes dos adultos, sem conhecer seu histórico familiar. O adulto problemático de hoje foi a criança sem limite do passado; o péssimo pai de hoje foi a criança que não viu um gesto de perdão entre os pais; o adulto que vemos
hoje em CPIs, envolvido em casos do mensalão, com certeza foi uma criança sem limite. O narcisismo nas academias, as cirurgias plásticas, os silicones são formas de aquela criança que pedia socorro ser vista e amada. O lar conflituoso fará adultos conflitantes consigo mesmos.
Limitar é ensinar a tolerar frustrações. É prevenir para que, no futuro, uma dificuldade qualquer não se transforme em uma barreira intransponível.
Limitar é ensinar que todos temos direitos, mas deveres também. Limitar é mostrar que o outro também deve ser considerado quando nos decidimos a agir, que nunca devemos pensar apenas em nós mesmos, mas, sim, compreender que vivemos em grupo — ou seja,
convivemos. É, antes de tudo, preparar nossos filhos para o exercício da cidadania. É, pois, uma parte importante do trabalho educacional da família. Um pai e uma mãe conscientes não se deixam levar pelo medo do que está acontecendo por aí afora; ao contrário, tudo o que acontece na sociedade deve servir de base para encontros e conversas com os nossos filhos. E, finalmente, dar limites é dar responsabilidade, o que implica tornar nossos filhos, mais cedo, adultos responsáveis (ZAGURY, Tania. Encurtando a Adolescência. p. 45).
Os limites dados à criança diminuiriam, com certeza, os problemas de incesto, divórcio, falta de compromisso com as dívidas a serem pagas, o limite nos cartões de crédito, a violência no trânsito, os casos de crimes passionais, a falta de respeito ao outro, e, sem sombra de dúvida, os divãs ficariam solitários, e os presídios como meio de reeducação deixariam de ser o lar daqueles que foram órfãos de pais vivos.
Então, se o desejo da sociedade é construir homens fortes, precisamos rever nossos conceitos educacionais e travar uma batalha contra essa invasão inovadora da modernidade — em que tudo parece ser normal. E lutar para que a família volte a ser a verdadeira transformadora do comportamento transgressor é a primeira sacada. Os pais estão perdendo os filhos para um fantasma que os assombra por muito tempo, e eles não sabem como exorcizá-lo: o fantasma da ausência.
O mundo acelerado exige que se trabalhe cada vez mais para que os filhos possam ter mais. Porém, será que apenas isso os satisfaz? Será que não seria muito mais significativo para uma criança uma conversa ao pé da cama ou um beijo de boa-noite do que um celular novo? Será que uma visita repentina à escola não faria mais efeito do que o comparecimento na festa de final de ano? Existem educadores que nunca viram os pais dos seus alunos. A escola passou a ser um orfanato.
Os complexos dos adolescentes e adultos — baixa autoestima; a insegurança para dar os primeiros passos, escolher uma profissão, mudar de emprego; ou até mesmo fáceis tarefas como escolher uma roupa — serão sempre reflexo da infância sem limite. Quando percebermos que a solução para esses conflitos é o seio de uma família bem alicerçada pelo respeito, pelo amor e pelo afeto ao próximo, grandes conflitos mundiais serão solucionados, porque todos eles são de ordem pessoal. Será difícil construir uma rocha, mas colher migalhas perdidas no caminho será sempre impossível.
Referências Bibliográficas
ZAGURY, Tania. Encurtando a Adolescência. 10. ed. Rio de Janeiro:
Record, 2004.
Os Direitos dos Pais: Construindo Cidadãos em Tempos de Crise. 8. ed. Rio de Janeiro: Record, 2004.
¹ Essa citação é de autoria de Frederick Douglass (1818–1895), um
abolicionista, estadista e escritor afro-americano.
Emerson Santana é formado em Letras e possui especialização em
Literatura Africana de Língua Portuguesa.
Fonte: Site da revista “Construir Notícias”, acessado em 17 de julho de 2012.
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